quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Quem vai pagar esta conta?


IstoÉ Dinheiro
01/11/2016

Fundação Postalis já abriu cinco processos contra o BNY Mellon para recuperar perdas de R$ 2,4 bilhões devido à má gestão de recursos da previdência dos funcionários dos Correios De segunda a sexta-feira, os 56 mil carteiros passam nas 31,5 mil agências ou caixas de coleta dos Correios, coletam até dez quilos de cartas e pacotes cada um e, com chuva ou sol, caminham um total de 397 mil quilômetros, o equivalente a dez voltas ao redor da Terra. Desde abril do ano passado, porém, seus salários ficaram mais magros devido à contribuição extra ao Postalis, o fundo de pensão dos Correios. Além dos descontos habituais, eles têm de pagar 17% dos R$ 1.000 que ganham, em média, para ajudar a cobrir o rombo de R$ 5,6 bilhões que o Postalis registrou no ano passado.

Os aposentados estão em uma situação ainda pior: a mordida é de 26%. Esse desconto vai valer pelos próximos 15 anos. Esse não é o começo da história, e sim o reflexo de uma disputa entre o Postalis e o banco americano BNY Mellon. Em 2011, o banco passou a ser o administrador fiduciário exclusivo dos fundos do Postalis. Segundo a fundação, para fazer isso, o banco recebia R$ 60 milhões ao ano. Na prática, entre outras obrigações, o BNY Mellon tinha de fiscalizar o cumprimento do regulamento dos fundos nos quais o Postalis aplicava os recursos da previdência dos funcionários dos Correios.

Asseguravam, por exemplo, se os gestores contratados estavam respeitando as alocações determinadas pela política de investimentos da Postalis. Segundo o advogado e economista André Motta, que assumiu a presidência da Postalis em julho deste ano, o contrato estabelecia que o BNY Mellon ficaria responsável por indenizar o Postalis em caso de não-conformidade das aplicações. O pior aconteceu, claro, e levou a uma disputa jurídica, em agosto de 2014. Em um dos fundos, o gestor trocou títulos da dívida brasileira no exterior – que, segundo Motta, teriam de somar 80% da carteira – por títulos estruturados da Venezuela e por outros ligados à dívida da Argentina.

Títulos estruturados são investimentos bem mais arriscados do que títulos soberanos. E, como a Arge ntina deixou de pagar essa dívida, em 2014, esses papéis perderam 65% de seu valor, contribuindo para o déficit bilionário do Postalis. A gestora desse fundo, a Atlântica Administração de Recursos, e seu responsável, Fabrizio Neves, também estão sendo processados pela Postalis. A Atlântica fechou as portas. Neves não foi localizado pela DINHEIRO. A Postalis cobra perdas de R$ 2,429 bilhões do BNY Mellon. “Não quero saber de quem foi a culpa. Isso não é problema meu. Mas é meu dever cobrar o ressarcimento de quem assinou o contrato”, afirma André Motta.

Atualmente, segundo ele, cinco ações contra o BNY Mellon tramitam na Justiça. Mas a fundação de previdência dos Correios e o banco ainda mantêm relações. Cinco fundos sob administração do BNY Mellon estão sendo geridos pela ARX Investimentos, uma empresa do grupo BNY Mellon. “Não podemos tirar os recursos de lá enquanto a pendência não for resolvida ou haveria quebra de contrato”, explica Motta. Procurado, o Banco Central disse que não poderia comentar o caso. A Comissão de Valores Mobiliários também não se manifestou.

A história também se refletiu no prédio espelhado com inspiração neoclássica onde fica o escritório do BNY Mellon em São Paulo. Três diretores e o então presidente, Zeca Oliveira, foram afastados em outubro de 2013. Adriano Koelle, novo CEO, e Carlos Augusto Salamonde, diretor de Asset Servicing, foram nomeados após a intervenção de executivos americanos que vieram ao País só para entender o que estava acontecendo na subsidiária brasileira. Koelle e Salamonde dizem discordar das acusações do Postalis e repetem que a tomada de decisão do investimento não era da alçada do banco.

“A ata do Postalis afirma que era deles a escolha dos investimentos. O BNY Mellon apenas executava a estratégia”, diz Salamonde. Em depoimento à CPI dos Fundos de Pensão na Câmara dos Deputados, em setembro de 2015, Koelle disse não ter encontrado indícios de irregularidade na gestão anterior. À DINHEIRO, o CEO apenas comentou que o assunto é hoje um “litígio”. Embora o banco não reconheça a culpa, sua imagem saiu arranhada do episódio. A nova diretoria afirma ter promovido uma limpeza geral no negócio, deixando de atuar em áreas como a administração de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e Fundos de Investimentos em Participações (FIPS), que geraram o litígio.

Trocaram funcionários, reduziram a base de clientes e adotaram uma nova política de compliance (aderência às regras). Com 1.700 fundos sob custódia no Brasil, o BNY Mellon administra R$ 161 bilhões em recursos e tem ativos de R$ 90 bilhões sob custódia. Para crescer, o banco aposta em novos serviços. “Estamos desenvolvendo uma plataforma para tornar mais rápido o aluguel de ações e outra para investimentos no exterior”, diz Salomonde. “E estamos implementando uma ferramenta de cadastro único para todos os investidores dos fundos que administramos.” Enquanto a briga do banco com o Postalis não termina, os carteiros pagam a conta.

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